Introdução
As articulações são compostas pelo encontro de um osso a outro osso.
Algumas estruturas estão presentes nas articulações, tais como:
- Cápsula articular
- Ligamentos
- Membrana sinovial
- Labrum
- Cartilagem
Os ligamentos iliofemoral, pubofemoral e isquifemoral formam a cápsula articular. À esquerda, vista pela frente (anterior) e à direita, vista por trás (posterior).
A cartilagem é um tecido encontrado apenas nas articulações e está ausente no restante do osso.
Nessa ilustração, vista de frente, a cabeça femoral encontra-se desarticulada do acetábulo. A cápsula (cinza claro, à esquerda) foi cortada, e a cartilagem (cinza escuro) encontra-se exposta, tanto da cabeça femoral, quanto do acetábulo.
A artrose é um processo degenerativo (deterioração) crônico (antigo, de prolongada evolução), que – independente da causa – se caracteriza pela deterioração condral (cartilagem).
Acetábulo à esquerda e fêmur à direita. Ambos apresentam degeneração, com destruição da cartilagem e exposição do osso subcondral, formação de osteófitos, perda da configuração habitual da articulação.
História
É uma doença bastante conhecida da humanidade, com relatos de processos degenerativos em múmias da antiguidade.
Possui inúmeros estudos, que referenciam todas as áreas de interesse médico, tais como incidência e prevalência na população (novos casos e casos totais), idade preferencial de acometimento, fatores de risco, sintomas, sinais físicos, achados de exames complementares, tratamento e prognóstico (estimativa de melhora).
Histopatologia
(análise das células acometidas)
A cartilagem é formada por colágeno tipo II (90%) + proteoglicanos, que são agregados junto ao acido hialurônico e estabilizado por proteínas de baixo peso molecular.
Disposição da cartilagem articular:
- Zona superficial com grande quantidade de fibras de colágeno em posição paralela. Pouca quantidade de proteoglicano.
- Zona inermediária: zona mais espessa. Fibras de colágeno desorganizadas e oblíquas. Grande quantidade de proteogicano. Pouca quantidade de água e colágeno.
- Zona profunda: fibras de colágeno e condrócitos perpendiculares. Muito proteoglicano e pouca água.
Suportam alta carga de peso e fornecem superfície e suporte para o bom funcionamento articular (assim como o osso subcondral, que é o osso logo abaixo da cartilagem).
O processo de degeneração inicia com o amolecimento e afilamento da cartilagem (torna-se mais fina), evoluindo para fissuras (como um rasgão) e úlceras na cartilagem (falhas, buracos, ausência de tecido cartilaginoso).
Biomecânica
(como a articulação funciona)
As articulações necessitam de estabilidade, lubrificação e distribuição de cargas.
A estabilidade ativa, quando existe movimento, é fornecida pela musculatura que envolve o quadril. É um dos pré-requisitos mais importantes quando se programa uma cirurgia. Por esse motivo que muitos cirurgiões falam que a prótese de quadril é um procedimento cirúrgico de partes moles (o que não é osso, é parte mole).
A estabilidade passiva, quando não há movimento, é fornecida pela cápsula articular, ligamentos e labrum (como se fosse um lábio, que aumenta a profundidade do acetábulo).
A lubrificação da articulação é importante para que o movimento ocorra com baixos níveis de atrito. O lubrificante chama-se líquido sinovial, que é produzido pela membrana sinovial (referida na introdução).
A distribuição de cargas é fundamental para que não haja sobrecarga em apenas um ponto da articulação. Quando há deterioração de determinada porção da cartilagem (degeneração), há sobrecarga de outros pontos.
Etiologia
(fatores que podem causar artrose)
- DDQ (Displasia do Desenvolvimento do Quadril)
- Doença de Legg-Calvé-Perthes
- Coxa profunda
- Coxa vara
- Trauma (como acidente de carro)
- Osteonecrose (tecido morto na cabeça femoral)
Osteonecrose bilateral das cabeças femorais. Imagem de RNM em T1, o osso aparece branco. Na parte superior de ambas as cabeças femorais existe um sinal hipointenso e bem delimitado, associado a discreta deformidade óssea.
- Artrite reumatóide e outras artrites
- Tuberculose
- IFA (Impacto Femoroacetabular)
Impacto Femoroacetabular (IFA). À esquerda (radiografia, vista de frente, anterior), nota-se a perda da esfericidade da cabeça femoral (seta preta) e a presença de pequeno ossículo periacetabular. À direita (RNM, vista de baixo para cima, axial), nota-se novamente a perda da esfericidade da cabeça femoral (setas brancas) e – devido às colisões – a ruptura do labrum (seta preta).
- Infecção articular (pus na articulação)
- Epifisiólise do quadril (escorregamento da cabeça femoral)
Epifisiólise da cabeça femoral esquerda. A cabeça do fêmur desliza sobre o colo, formando uma proeminência e impacto ósseo. O padrão de marcha é bastante alterado e doloroso.
Fatores de Risco
Idade
- Principal fator de risco
- Não significa que todos teremos artrose quando idosos.
- Com a idade, a cartilagem fica mais fina, com maior propensão a rasgar.
Gênero
- Abaixo de 50 anos, os homens são mais propensos.
- Acima de 50 anos, as mulheres são mais propensas.
- A menopausa e a queda hormonal podem ter papel fundamental.
Fatores Genéticos
Anomalias anatômicas articulares
- Tal como DDQ, LCP, Epifisiólise e IFA.
Raça
- A descendência européia parece ter maior acometimento que a africana, que – por sua vez – parecem ter maior acometimento que asiáticos.
Sobrepeso
- Aumenta o risco de desenvolvimento de artrose.
- Os obesos experimentam sintomas mais graves e progressão maior da artrose.
Aumento da exigência articular
- Trabalho e esporte
Quadro Clínico
A artrose do quadril diminui a qualidade de vida do paciente.
Dor espalhada, de difícil localização (difusa). É o sintoma mais importante. Começa ou se agrava no início da movimentação, como ao acordar (característica protocinética). Essa dor pode correr (irradiação) para a virilha, região da musculatura adutora, região da frente da coxa (anterior), joelho e perna.
Redução do movimento do membro inferior (mobilidade articular), visto pelo paciente no ato de colocar meias, cortar as unhas dos pés, lavar os pés no banho ou cruzar as pernas.
Modificação do padrão de caminhada (claudicação). Em termos populares, o paciente está “rengueando”.
- Há uma diminuição da fase de apoio do membro inferior machucado. O Paciente “defende” o membro machucado com o outro membro inferior.
- O membro machucado começa a adquirir uma posição anormal em relação ao membro inferior bom, devido à inflamação das partes moles (contraturas em flexão, adução e rotação externa do quadril). A inflamação crônica faz com que os tecidos se tornem espessados e encurtados.
Um músculo muito importante – Glúteo Médio – pode se tornar fraco (insuficiência do glúteo médio). Isso faz com que a bacia do paciente “caia” durante a caminhada. Para esse sinal, dá-se o nome de Trendelemburg.
À esquerda, o paciente eleva o pé esquerdo do chão. O músculo glúteo médio direito está normal, segurando a bacia. À direita, o paciente eleva o pé direito do chão. O músculo glúteo médio esquerdo está fraco, fazendo com que a bacia caia. O membro a ser elevado é sempre contralateral ao músculo glúteo médio avaliado.
Dor lombar. Pode ser ocasionada como dor “referida”, quando o problema não está ali, mas o paciente refere dor nesse local. Também pode acontecer se o paciente possui artrose nos dois quadris (bilateral). A artrose de quadril cursa com diminuição de movimento, e essa diminuição de movimento ocasiona compensação de mobilidade em articulações próximas ao quadril (periféricas). Dessa forma, a coluna lombar pode ser afetada, por estar sobrecarregada.
Exame físico
Redução do movimento do membro inferior machucado (mobilidade articular). A ordem dos movimentos perdidos é, geralmente, o seguinte: rotação interna (pé para fora), rotação externa (pé para dentro), abdução (abertura), adução (fechamento) e flexão.
Claudicação.
Atrofia muscular do membro inferior, geralmente pela “pouca utilização” do membro (desuso). A coxa pode estar mais “magrinha”, assim como a panturrilha e o glúteo.
A bacia, quando vista no espelho, pode apresentar-se discretamente “torta” (obliquidade pélvica), devido às contraturas de partes moles e/ou perda de tecido ósseo pela artrose (dismetria dos membros inferiores).
- Essa dismetria pode causar inúmeras consequências, pois as articulações terão que se adaptar à “tortuosidade” da bacia: os joelhos, a coluna lombar, os ombros e até a coluna cervical.
Exames Complementares
Radiografia (raio-x)
- Bico de papagaio (osteófito)
- Forma-se devido à instabilidade articular e tentativa de aumento da área de contato.
- Cistos articulares
- Devido à pressão dentro da articulação, o líquido sinovial entra através das pequenas falhas da cartilagem e do osso, e desse lugar ele não consegue mais sair. Durante a cirurgia são retirados e possuem aspecto de gel.
- Redução do espaço articular
- Literalmente, existe “osso raspando no osso”.
- Esclerose subcondral
- Conforme um osso “bate” no outro, eles progressivamente vão ficando mais duros. É uma alteração adaptativa que o corpo realiza.
- Perda da esfericidade da cabeça femoral
- Devido às possíveis perdas ósseas, osteófitos, necrose, etc.
- Falta de cobertura do acetábulo
- O acetábulo deixa de cobrir a maior parte da cabeça femoral, sendo raso e predispondo à instabilidade articular. Bastante comum se a etiologia da artrose for a Displasia de Desenvolvimento do Quadril (DDQ).
- Ângulo cervicodiafisário alterado (coxas valga e vara).
- Ângulo formado entre a diáfise do fêmur e o colo do fêmur. Pode estar aumentado (DDQ) ou diminuído (coxa vara, protrusão acetabular).
Ressonância Nuclear Magnética (RNM)
- Pode-se solicitar a RNM na suspeita de osteonecrose (tecido morto na cabeça femoral) e quando existe algum tipo de artrose de difícil avaliação através da radiografia.
- Espessamento da membrana sinovial e da cápsula, assim como o tecido desvitalizado podem ser observados.
Diagnósticos Diferenciais
(outros diagnósticos que podem ter sintomas parecidos)
- Bursite trocantérica
- Apresenta dor na face externa do quadril, à palpação e à mobilização em rotação externa. Os pacientes se queixam para dormir de lado sobre o quadril machucado (decúbito lateral).
- Processos degenerativos da coluna
- Podem cursar com perda de força, formigamento e dor tipo choque, que inicia na coluna e corre pelo membro inferior. Pode haver atrofia muscular.
- Problemas articulares no joelho do mesmo lado (ipsilateral)
- Lesão meniscal e artrose de joelho.
- Impacto Femoroacetabular (IFA)
- Quando um osso bate no outro, devido a alguma má formação.
Aspecto financeiro
Pode afetar as atividades laborais do paciente, interferindo nos ganhos financeiros e no sustento próprio.
Tratamento
Levando-se em consideração que a artrose é uma doença de lenta progressão e que não coloca a vida do paciente em risco, primeira alternativa é aguardar, observar se os sintomas regridem e se consegue suportá-los, não interferindo nas atividades de rotina. No entanto, a artrose é um processo de degeneração em que não há regressão das lesões articulares. Na melhor das hipóteses, a degeneração permanecerá estacionária.
Em um segundo momento, podem ser administrados medicamentos analgésicos, antiinflamatórios (AINE), relaxantes musculares, derivados de morfina e compostos de glicosamina. Esse tratamento, no entanto, é paliativo (não trata a causa, e sim o sintoma). Deve-se ter cuidado, também, com pacientes mais idosos que não toleram certos tipos de medicamentos de forma contínua, como os AINEs.
A fisioterapia com reforço muscular pode apresentar alguma melhora, tanto na movimentação, quanto no equilíbrio (propriocepção). Porém, em alguns casos, a mobilização do membro afetado pode gerar mais dor ao paciente, devendo ser suspensas as sessões.
Em casos incipientes (iniciais), a aplicação de Ácido Hialurônico pode gerar benefícios, ao estimular a produção de líquido sinovial pela articulação. Quanto mais iniciais são as lesões, maior o benefício e por mais tempo se dará o efeito do medicamento.
Em casos de degeneração avançada e sintomática, com redução da amplitude de movimento, padrão de marcha sofrível e que afeta as atividades de rotina, o tratamento recomendado é a Artroplastia Total de Quadril (prótese).
À esquerda, haste femoral Exeter, cimentada, polida, cônica, com centralizador distal. Superiormente, cabeça femoral em cerâmica. Inferiormente, componente acetabular não-cimentado multifuros.
Cimentação da haste com cimento ósseo ortopédico com antibiótico. À esquerda, o cimento é injetado dentro do osso através de uma pistola de pressão. À direita, o cimento já no canal do fêmur, à espera da colocação da haste femoral.
Radiografia pós-operatória de artroplastia total de quadril esquerdo híbrida, com componente acetabular não-cimentado e sem parafusos, haste Exeter cimentada e cabeça femoral em cerâmica (par tribológico cerâmica-cerâmica).